Endometriose no SUS: filas, dor e invisibilidade ainda marcam a vida de milhões
Autor de Descomplicando a Endometriose, o ginecologista Jardel Soares aponta que, apesar do novo acordo entre AGU e Ministério da Saúde, o diagnóstico tardio e a falta de acesso ao tratamento seguem ampliando o sofrimento das pacientes
Autor de Descomplicando a Endometriose, o ginecologista Jardel Soares
O Brasil enfrenta uma crise silenciosa na saúde feminina: milhões de mulheres com endometriose passam anos lidando com dor, infertilidade e falta de acolhimento até chegar ao diagnóstico — e, mesmo depois dele, seguem esbarrando em barreiras quase intransponíveis para acessar tratamento adequado no Sistema Único de Saúde (SUS).
O alerta é do ginecologista Jardel Soares, referência no tratamento da doença e autor do livro Descomplicando a Endometriose, que conhece de perto a realidade das pacientes tanto na rede privada quanto no atendimento público.
“Atendo diariamente mulheres que sofrem há anos com dor, infertilidade e impactos emocionais severos. Muitas passam por diversos profissionais até chegar ao diagnóstico. No SUS, essa jornada costuma ser ainda mais longa e desgastante”, afirma.
Uma doença invisível e cara para toda a sociedade
A endometriose é uma condição inflamatória crônica que afeta cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva, o equivalente a 8 milhões de brasileiras. Mesmo assim, o diagnóstico costuma levar de 6 a 12 anos desde o início dos sintomas, tempo considerado inaceitável pelos especialistas.
Durante esse período, as pacientes convivem com dor pélvica intensa, dificuldade para engravidar, queda de produtividade no trabalho, afastamentos médicos e impactos emocionais profundos.
“A dor não é normal. A mulher não deve aceitar viver limitada, sem diagnóstico e sem tratamento. O impacto não é apenas físico: ele é social, familiar e econômico”, reforça o médico.
Além do sofrimento humano, o atraso no diagnóstico gera altos custos para o sistema público de saúde: mais internações de emergência, cirurgias complexas e maior gasto com reabilitação, sem contar o prejuízo para empresas e empregadores.
Dados mostram demanda crescente, mas atendimento ainda é desigual
Segundo o Ministério da Saúde, os atendimentos por endometriose na atenção primária cresceram 76,2% entre 2022 e 2024, saltando de 82 mil para mais de 145 mil casos. As internações também subiram 32%, chegando a quase 20 mil procedimentos em 2024.
O problema é que o acesso a exames e cirurgias ainda depende da região onde a mulher vive.
“Na rede privada, conseguimos diagnosticar e tratar precocemente, muitas vezes evitando a progressão da doença. No SUS, há uma fila longa para exames e cirurgias, e pacientes que poderiam ser tratadas de forma simples acabam evoluindo para quadros graves”, alerta Dr. Jardel.
Como mudar esse cenário? Médico aponta quatro ações urgentes
Para transformar o atendimento à endometriose no SUS, o ginecologista defende a adoção de quatro pilares estruturantes:
- Capacitação médica — inclusão do tema na formação dos ginecologistas e treinamento contínuo das equipes da atenção primária.
- Equipe multidisciplinar — com atuação integrada de ginecologistas, fisioterapeutas pélvicos, psicólogos, nutricionistas, coloproctologistas e urologistas.
- Centros de referência regionais — com diagnóstico por imagem especializado e capacidade cirúrgica adequada.
- Estrutura física e equipes preparadas para cirurgia avançada — com profissionais habilitados e motivados a operar casos complexos em hospitais terciários.
“Para isso, é essencial que os gestores públicos entendam a endometriose como uma doença complexa e de alto impacto. O desconhecimento institucional é um dos maiores entraves para o avanço”, reforça.
Primeiro passo: acordo nacional pode acelerar cirurgias
Em setembro de 2025, um acordo firmado entre a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Saúde estabeleceu diretrizes para ampliar o atendimento e aumentar o número de cirurgias de endometriose no SUS.
Dr. Jardel vê a medida com entusiasmo: “Essa iniciativa pode reduzir significativamente o tempo de espera e o sofrimento de milhares de mulheres. É um passo importante, mas precisa vir acompanhado de políticas estruturantes e financiamento adequado.”
O livro que escancara a dor invisível
Em Descomplicando a Endometriose, Dr. Jardel Soares retrata a trajetória das pacientes, da primeira cólica incapacitante ao alívio após o tratamento adequado.
“O atraso no diagnóstico custa caro para a paciente, para o SUS e para a sociedade. Investir em diagnóstico e tratamento precoce é economia e é justiça social”, conclui o especialista.










